Cão Tenor



   Certa vez, veio ao mundo um filhote indigente num sítio em Araçariguama nos confins da região de São Roque, interior paulista. Segundo boatos dos mais antigos teria sido fruto de uma relação inadequada d'uma pastora alemã com um urubu do mato. Eles, tal qual se conta, teriam ido embora para a festa no céu da tartaruga sem casco. E o pequeno cão, praticamente órfão, fora adotado por um bêbado itinerante que o encontrou na sarjeta, levando-o dias depois à Região Metropolitana, onde passou sua infância entre vielas e calçadas. 
  Na juventude, sofreu por duas vezes envenenamento e foi seguidamente atropelado, causando até mesmo distúrbios no trânsito da cidade onde nessa  época assentou morada - na casa de uma família de sul-mato-grossenses que haviam fugido dos grandes temporais no fim dos anos oitenta - Mas, como exímio praticante do rapel de muros e árvores, superava facilmente essa barreira de seu território canino. Sempre audaz, surgiu diversas vezes das cinzas. Encontrado em terrenos baldios, esquecido pela sociedade civil e sempre amigo da matilha suburbana, esteve desaparecido por dois anos até ser visto como modelo de cartões de uma grande agência telefônica de São Paulo.
  Sua vida erótica e romântica, pode ser compreendida por um período marcante: Foi terror das cachorrinhas no cio da rua do Padinha durante a primavera de dois mil e sete, quando ficou conhecido por sua intrepidez ao enfrentar cães de porte maior. Às vezes recorria, é verdade, ao seu grande companheiro Asdrúbal, o boxer. Ora, um cachorro esperto vale por duas raposas como todos sabem... Em casa passava dias a espreita de uma nova fuga e quando ouvia a quinta sinfonia de Beethoven, inquieto, uivava. 
























André Vareiro.