Novos Títulos.

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Acrescentei novos títulos (segundos; da direita) em cada capítulo. Os antigos (primeiros; da esquerda) se mantêm. Também há agora uma citação que foi inspiradora na construção ou exprime a ideia central do cap. Acompanham o começo de cada cap. O motivo disso tudo é a busca de maior clareza e coesão ao conteúdo junto a sequência dos poemas.


Assim:




Título: 


Coração, Etc. 


Cap. 1:  


Moscas 

ou Miolos


"A Metafísica é uma consequência de estar mal disposto"
                                                                            
                                           Álvaro de Campos, Tabacaria.




Cap. 2


Seixos 

ou Sêmens


"O que disse Bugrinha: Por dentro de nossa casa passava um rio inventado.
  O que nosso Avô falou: O olho do gafanhoto é sem princípios."


  Manoel de Barros, Livro sobre Nada.




Cap. 3


Cílios 

ou Lábios...




"Carente de ternura
Eu fiz tanta loucura
Andei de mão em mão
Nem ao menos minha roupa eu trocava
Pra curtir minha paixão"

Paulinho da Viola, Carnaval da Paixão.




Cap.4 


Ecos 

ou Ocos?


"Quanto mais sólida a mente, maior a proteção dos deuses"


Miao-lo , Tien-Tai  




Cap. 5 


Dentes 

ou Becos?




"Amada vida, minha morte demora.
Dizer que coisa ao homem,
Propor que viagem? Reis, ministros
E todos vós, políticos,
Que palavra além de ouro e treva
Fica em vossos ouvidos?
Além de vossa RAPACIDADE
O que sabeis
Da alma dos homens?
Ouro, conquista, lucro, logro
E os nossos ossos
E o sangue das gentes
E a vida dos homens
Entre os vossos dentes"   (...)


Hilda Hilst, Poemas aos Homens do Nosso Tempo




























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Galo Galo

Gabriel Metsu - The Dead Cockerel


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O galo
no salão quieto.


Galo galo
de alarmante crista, guerreiro,
medieval.




De córneo bico e
esporões, armado
contra a morte,
passeia.




Mede os passos. Pára.
Inclina a cabeça coroada
dentro do silêncio:




—— que faço entre coisas ?


—— de que me defendo ?




Anda.
No saguão.
O cimento esquece
o seu último passo.




Galo: as penas que
florescem da carne silenciosa
e duro bico e as unhas e o olho
sem amor. Grave
solidez.
Em que se apóia
tal arquitetura ?




Saberá que, no centro
de seu corpo, um grito
se elabora ?
Como, porém, conter,
uma vez concluído,
o canto obrigatório ?




Eis que bate as asas, vai
morrer, encurva o vertiginoso pescoço
donde o canto rubro escoa




Mas a pedra, a tarde,
o próprio feroz galo
subsistem ao grito.




Vê-se: o canto é inútil.




O galo permanece — apesar
de todo o seu porte marcial —
só, desamparado,
num saguão do mundo.
Pobre ave gurreeira!




Outro grito cresce
agora no sigilo
de seu corpo; grito
que, sem essas penas
e esporões e crista
e sobretudo sem esse olhar
de ódio,
não seria tão rouco
e sangrento




Grito, fruto obscuro
e extremo dessa árvore: galo.
Mas que, fora dele,
é mero complemento de auroras.



 Ferreira Gullar






















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Élan

Rio Miranda-MS



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Carne,


Cometi agressões físicas no passado
em mulheres, idosos e deficientes do corpo
Torturei os bicos das aves, violei os rituais aos deuses
Trai, menti e fugi. Pratiquei com o diabo a cópula.
Algum tipo de sexo medonho, apodrecido...


E o que há do eu agora?



Humus, em todo as terras que pisem os peś.
Convivi com escorpiões, me tornei um.
Usei drogas telepáticas, estive em águas lunares...


Tudo no rio, sempre no rio. À margem.




"Filho, o leito não dá pé!" 
Disseram meus antepassados.





E agora, o que faço passeando
novamente entre outros?





No todo, não há ruptura. Nado.
Vivo em sonhos e de pé também
Num mesmo livro único, infinito
"No fundo, tudo é o mesmo" ¹




O mesmo texto:



Continuo sonhando com o Rio Miranda.
Com as rãs, as crianças, as senhoras de cem anos...
Com o sorvete e a bexiga amarela que comprei com o troco roubado 
do pão da Dona Mina, minha avó materna. Foi quando tomei o primeiro tapa. Chorei.


Só que em seguida a velha me explicou um caminho à sua maneira
e mostrou esse mesmo Rio Miranda que sonho e só me lembro agora.

Agora, agora
na claridade do quintal lá fora...

Está.






 André Vareiro.















¹ Pessoa em: "O entendimento dos símbolos..." Nota preliminar do livro Mensagem




















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Garoa Again

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Escuto um som vindo da escada, no escuro. O gato? Sussurros? Não, amanhã enterram-me. Na primeira esquina antes dos trinta. Os médicos e os especialistas nada sabem do que está escrito em minhas mãos. Que há areia todos sabem, como em todas as outras mãos também. Talvez em algumas noites quero viver menos, mas muitas vezes percebo que só é o sono vindo aos poucos. Aquele sono acontecendo em dias frios e úmidos. Acompanhando a simples distância de um pensamento triste, que no degrau, faz ruído.




 André Vareiro.



















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