Galo Galo

Gabriel Metsu - The Dead Cockerel


-



O galo
no salão quieto.


Galo galo
de alarmante crista, guerreiro,
medieval.




De córneo bico e
esporões, armado
contra a morte,
passeia.




Mede os passos. Pára.
Inclina a cabeça coroada
dentro do silêncio:




—— que faço entre coisas ?


—— de que me defendo ?




Anda.
No saguão.
O cimento esquece
o seu último passo.




Galo: as penas que
florescem da carne silenciosa
e duro bico e as unhas e o olho
sem amor. Grave
solidez.
Em que se apóia
tal arquitetura ?




Saberá que, no centro
de seu corpo, um grito
se elabora ?
Como, porém, conter,
uma vez concluído,
o canto obrigatório ?




Eis que bate as asas, vai
morrer, encurva o vertiginoso pescoço
donde o canto rubro escoa




Mas a pedra, a tarde,
o próprio feroz galo
subsistem ao grito.




Vê-se: o canto é inútil.




O galo permanece — apesar
de todo o seu porte marcial —
só, desamparado,
num saguão do mundo.
Pobre ave gurreeira!




Outro grito cresce
agora no sigilo
de seu corpo; grito
que, sem essas penas
e esporões e crista
e sobretudo sem esse olhar
de ódio,
não seria tão rouco
e sangrento




Grito, fruto obscuro
e extremo dessa árvore: galo.
Mas que, fora dele,
é mero complemento de auroras.



 Ferreira Gullar






















-

Nenhum comentário:

Postar um comentário